Fosfoetanolamina: A “Pílula do Câncer”

O que é a fosfoetanolamina sintética?

Fosfoetanolamina

Fosfoetanolamina é uma molécula encontrada no corpo humano que participa na formação das membranas celulares. Ela ajuda na sinalização de informações nas células. Um professor de química da USP (Universidade de São Paulo) de São Carlos desenvolveu um processo para sintetizar essa molécula em seu laboratório. A substância estava sendo distribuída a pacientes com câncer há vários anos.

 

O que envolveu a polêmica da fosfoetanolamina, a chamada “pílula do câncer”?

Recentemente houve repercussão nacional em torno do tema, gerando inicialmente um interesse por informações e, em seguida, a crença em relação à possível cura para o câncer com a utilização da fosfoetanolamina.

A polêmica tomou corpo quando médicos e autoridades da própria USP emitiram opiniões contrárias ao uso medicinal dessa substância, cujos testes clínicos para evidenciar sua toxicidade e eficácia não haviam sido realizados. Desde então, muitas pessoas têm se manifestado em reação ao assunto, pois acreditam que a substância é eficaz.

Por que tantas pessoas afirmam que melhoraram após usar a fosfoetanolamina?

Existem vários critérios para avaliar a melhora dos pacientes em tratamento do câncer, como a redução do tamanho do tumor (taxa de resposta), o tempo de vida (sobrevida) e a qualidade de vida.

A eficácia de uma substância para o tratamento do câncer não pode estar baseada apenas em relatos pessoais dos pacientes. É necessária a devida comprovação científica por meio de estudos clínicos, que seguem critérios internacionalmente reconhecidos. Esses critérios são usados no mundo inteiro para medicamentos em desenvolvimento.

Pode haver riscos para os pacientes que tomam a fosfoetanolamina?

Como ainda não foram realizados estudos clínicos em seres humanos para avaliar os efeitos da fosfoetanolamina, não é possível saber se a substância traz riscos aos pacientes. É importante lembrar que qualquer substância ingerida por uma pessoa pode interagir com outros medicamentos em uso e trazer efeitos colaterais, e a única forma de avaliar esses efeitos é por meio de estudos clínicos. Em remédios disponíveis comercialmente, as informações de segurança constam na bula.

Como é o processo de desenvolvimento de um medicamento para o tratamento do câncer?

É necessário o desenvolvimento de estudos clínicos. É um processo complexo para garantir a segurança dos pacientes.

O estudo tem início com a avaliação da segurança e da atividade do medicamento em animais. Depois, é preciso demonstrar se a nova substância é segura para uso em humanos e qual dose será utilizada nos estudos subsequentes. Isso é feito em estudos clínicos chamados de fase 1. Muitas substâncias com excelentes resultados em animais e em células cultivadas em laboratório não chegam a ser aprovadas porque a toxicidade é impeditiva.

Após a determinação da dose segura em seres humanos, são realizados testes de eficácia. Inicialmente esses testes envolvem dezenas de pessoas com um tipo específico de câncer. Esses são os estudos de fase 2, uma etapa fundamental no desenvolvimento de novas drogas, pois apenas 18% a 28% dos estudos mostram resultados positivos (Arrowsmith J. NatureRevDrugDiscov, 2011), permitindo que se passe para a fase 3.

Nos estudos de fase 3, a droga precisa ser testada em comparação direta com o melhor tratamento disponível no mercado em um número grande de pessoas. Essa fase tem como objetivo demonstrar se a nova droga é mais eficaz, ou pelo menos tão eficaz quanto os tratamentos vigentes. Ao longo de todo o processo, o perfil de toxicidade continua sendo avaliado, pois alguns efeitos colaterais são mais raros e só serão perceptíveis quando um número maior de pessoas for exposto à droga. Enfim, o processo é complexo e precisa ser assim para garantir a segurança dos pacientes.

O que é necessário para que a Anvisa autorize o registro e a comercialização da fosfoetanolamina?

As regras para aprovação de novos medicamentos pela ANVISA são rígidas, pois têm como objetivo garantir a proteção dos pacientes. Para aprovação, são requeridos estudos que comprovem a segurança da substância para o uso em humanos e sua eficácia em determinada doença ou situação clínica. Por ser um processo complexo, exige um tempo considerável para a aprovação de novos medicamentos.

A fosfoetanolamina pode ser aprovada pela Anvisa como um suplemento?

Não. A portaria do Ministério da Saúde que regulamenta a aprovação de suplementos e vitaminas não se aplica a substâncias com finalidade de tratamento de doenças. As pessoas estão usando a fosfoetanolamina para tratamento de uma doença crítica, sem a devida comprovação de sua segurança e eficácia. A comercialização da fosfoetanolamina como suplemento, disponível para venda sem receita médica, permitiria o uso indiscriminado, sem garantia de que haveria acompanhamento médico adequado.

É possível que a fosfoetanolamina cure o câncer?

Uma droga pode funcionar para alguns tipos de tumor, mas somente é possível afirmar a eficácia de um medicamento após a evidência comprovada em testes clínicos. A fosfoetanolamina ainda não passou por essa avaliação.

Em um sistema biológico complexo como o ser humano, que evoluiu ao longo de milhares de anos, as células são adaptadas à sobrevivência. O câncer não é um elemento externo que invade o corpo do paciente, ele é fruto de células do próprio organismo que acumularam defeitos e passaram a se comportar de maneira diferente. Essas células utilizam-se dos mecanismos de defesa e adaptação do corpo para sobreviver e esse é o maior motivo da dificuldade de se encontrar a cura para todos os tipos de câncer.

Existem inúmeros tipos de câncer e uma enorme variabilidade na evolução clínica dos pacientes. Por exemplo, duas pessoas com o mesmo tipo de câncer de pulmão e características clínicas semelhantes, que recebem o mesmo tratamento, podem ter evolução muito distinta.

O que podemos aprender com essa polêmica da “pílula do câncer”?

É importante a mobilização e atenção dos pacientes às questões relacionadas à pesquisa e à aprovação de novos medicamentos no Brasil. Novos tratamentos promissores devem ser testados adequadamente antes de serem liberados para uso rotineiro.

A esperança e a busca pela cura são legítimas e o dever de cada profissional médico é usar a evidência científica para selecionar o melhor tratamento para cada paciente.

Sempre que surgir ou for oferecida alguma terapia ou estratégia de tratamento para o câncer, algumas perguntas são importantes e devem ser feitas aos profissionais médicos:
– O quão seguro é esse tratamento e como foi comprovado? Há estudos que comprovem sua eficácia? Quais são os pontos negativos desse tratamento e quais as outras alternativas?

 

Fonte: A.C.Camargo Cancer Center

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